quinta-feira, 6 de junho de 2013

Texto : Deste Solo Gentil

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 "O suor que escorreu do meu rosto todas as vezes que subia e descia as ladeiras, foram enxugados pelo ânimo da vitória." 

 Erik Ricardo Melo Ribeiro Faculdade Comunitária Santa Bárbara do Oeste – Sumaré – SP  


DESTE SOLO GENTIL 

     Percorro, em pensamentos, o morro da minha infância. O sol escaldava os telhados daquelas casas pobres e humildes, o ar quente passeava pelos pequenos cômodos que foram construídos por tijolos e tábuas. A travessia para o alto da favela, era um desafio cruel, a ladeira imensa desencorajava os nossos pés. O sinuoso beco, descendo de casa, até a parte baixa do morro, representava um percurso cansativo e indispensável. Todas as manhãs passávamos por ele, para chegar até a escola. A parte externa do edifício foi pichada e destruída pela burrice dos delinquentes, deixando uma visão medonha. 
      A sala de aula, destruída por pessoas sem qualquer tipo de interesse para o futuro, arruinava o palco de oportunidades. A cena era triste para meus olhos inocentes. Com perseverança contornei os obstáculos, buscando adquirir todo o conhecimento que o professor passava. Cada livro aberto, mundos eram descobertos, os sonhos alimentados por desejos incansáveis, trazendo esperança para uma realidade bruta. A escola, simples e pequena, acomodava a sabedoria dos sábios; homens que dela sabiam usufruir.
     O sobrado do Quinho, pequeno permuta de drogas, onde se fazia tráfico de tudo – da barata ao mais dispendioso. O local é famoso por ser o berço do crime, recebe pessoas com as piores intenções, muitos visitavam aquele ambiente e poucos conseguiram escapar de suas garras. Que saudades! Os velhos ami- gos dormem em um sono profundo, descansam de uma obra que nunca cumpriram. Os vermes comeram sua carne ociosa, destruída por um espírito pobre. 
   Pouco adiante, a casa que morei, a longa viela de entrada. À esquerda, as praças abandonadas, as árvores marcadas por tiros perdidos, escondem um passado atormentado, de um lado, a inesquecível gangorra; ao fundo, o balanço que relembra as gargalhadas das crianças. Sobre o banco daquela praça, noites eu passava lendo os belos contos de Machado de Assis, um livro encontrado nas lixeiras dos bairros nobres da capital. Minha adolescência árdua ensinava o lado honesto da vida, nas ruas, eu trabalhava recolhendo latinhas de refrigerantes, papelões e todo o material reciclável, o lucro que recebia dava para ajudar nas despesas da casa e o que sobrava eu ajuntava para pagar a minha faculdade. A bicicleta, vídeo game, computador ou um carrinho de controle remoto, eram presentes que teriam que esperar. Para alcançar tal meta, foi preciso abrir mão desses pequenos luxos. 
    O morro discriminado pela alta sociedade, abriga pessoas de todo tipo, são pessoas iguais a mim e igual a você. A pobreza nunca foi motivo para deixar de acreditar na minha capacidade. No morro, sem identidade e endereço, vivi em um enorme labirinto, cheios de caminhos arriscados. O suor que escorreu do meu rosto todas as vezes que subia e descia as ladeiras, foram enxugados pelo ânimo da vitória. Eu sou um vencedor? Sim, eu venci a batalha, passei em primeiro lugar na faculdade que tanto sonhava, ganhei uma bolsa de estudos. O dinheiro que por muitos anos foram ajuntados transformou-se em novos livros que ampliaram meu conhecimento. Sou filho que não foge da luta, deste solo gentil colhi as boas oportunidades. Eu morei dentro da favela, mas a favela nunca morou dentro de mim.

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